Contribuinte ganha estímulo para discutir débito na Justiça

As empresas ganharam um estímulo para irem à Justiça negociar o reembolso ou redução dos valores que tiveram de pagar acima da Selic em juros de dívidas tributárias.

 

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou a jurisprudência construída nos tribunais de primeira e segunda instância e decidiu que o governo de São Paulo não pode cobrar juros acima da Selic em débitos tributários.

 

De acordo com o sócio titular do escritório Périsson Andrade Advogados, Périsson Andrade, o contribuinte precisa se atentar mais ao valor que é devido. "É uma imoralidade a cobrança acima da Selic", afirma.

 

Todo o imbróglio começou em 2009, com a edição da Lei Estadual 13.918, que estabeleceu a alíquota de juros para as dívidas de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – o maior em arrecadação – como um índice de correção diária, que muitas vezes ficou em 0,13%, algo próximo a 50% ao ano. A Selic está em 10,25% ao ano, após decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira.

 

O sócio da área tributária do L.O. Baptista Advogados, João Victor Guedes, avalia que o critério utilizado pelo fisco paulista foi questionável e sem relação com a realidade. Guedes ressalta que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem entendido que essa lei não usa o parâmetro definido pela código tributário federal, que coloca a Selic como teto dos juros cobrados.

 

Em decisão de novembro, por exemplo, o TJSP rejeitou o apelo da Fazenda Estadual para reformar uma sentença que tinha considerado ilegal a cobrança de juros da ordem de 3,9% ao mês – o que corresponde a 46,8% ao ano – pelo parcelamento do ICMS. Para o TJSP, apesar da relativa autonomia que os estados possuem para definir a cobranças de impostos, cabe à União editar normas e aos estados suplementá-las.

 

Esse posicionamento foi o mesmo adotado pelo STJ em recurso da Fazenda de São Paulo. A relatora do processo na Segunda Turma do STJ, ministra Assusete Magalhães, apontou que o Supremo Tribunal Federal (STF), firmou o entendimento de que juros de mora são matéria de direito financeiro e que, por isso, os estados brasileiros devem se submeter às normas firmadas pela União.

 

"Na atualidade, o índice previsto na Lei Estadual n° 13.918/09 é superior ao previsto na Lei Federal n° 9.250/95, que prevê a taxa Selic. Todavia, pelas razões já expostas, esta não pode ser excedida", determinou.

 

O advogado tributarista do CSMV Advogados, Flavio Haro Sanches, avalia que o juízo do STJ é importante porque consolida uma jurisprudência dos tribunais paulistas. "Um caso que o STJ julga em matéria de ilegalidade corrobora esse entendimento e estimula as empresas a entrarem com novas ações para questionar os valores pagos a maior."

 

De acordo com Périsson Andrade, uma solução definitiva para o assunto poderia ser trazida pelo STF, uma vez que a Corte possui o dispositivo da repercussão geral e poderia proibir a Fazenda Paulista de cobrar juros superiores à Selic em qualquer caso. Ele acredita, entretanto, que é pouco provável que o caso chegue ao STF por falta de interesse da Fazenda nisso. "Como os tribunais de segunda instância estão dando ganho de causa ao contribuinte, a Fazenda deveria recorrer ao STF para isso ocorrer. A possibilidade de julgamento em repercussão geral e a publicidade que teria fazem com que a Fazenda Paulista se abstenha de tentar recorrer ao Supremo", critica.

 

Projeto de Lei

 

Um Projeto de Lei (57/2017) em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo visa mudar a lei atual e impor um teto para a cobrança de juros em débitos tributários no valor da Selic mensal. A proposta foi trabalhada de maneira conjunta pela Secretaria Paulista da Fazenda e pela Procuradoria-Geral do Estado. Além do teto para os juros, o projeto também prevê que as multas sejam limitadas a 100% do montante do imposto.

 

O coordenador da Administração Tributária da Fazenda de São Paulo, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, explica que a proposta visa a adequar a lei ao entendimento dos tribunais. "Como estávamos perdendo as ações na Justiça, é uma adequação que se fez necessária", declarou o porta-voz do governo.

 

Carvalho diz esperar que o Projeto de Lei seja aprovado até junho e passe a valer a partir de julho, de modo que a Fazenda não cobrará mais juros acima da Selic depois desta data.

 

João Victor Guedes, do L.O. Baptista, vê a proposta como um avanço, mas ressalva que o projeto prevê que o teto da Selic poderá ser desrespeitado se a taxa for menor que 1% ao mês e que a lei não resolverá o que foi pago a maior desde 2009.

 

Carvalho defende a proposta, dizendo que a reabertura de impostos que já foram pagos geraria insegurança jurídica.

 

Na visão do coordenador, a lei de 2009 não foi um erro. "No momento em que a lei foi promulgada, fazia sentido. Foi na esteira da crise de 2008. Víamos contribuintes optando pelo pagamento de débitos normais em detrimento do imposto, um comportamento que tinha que ser coibido por uma taxa de juros maior", afirma.

 

Ele ressalva, porém, que o mais importante é o entendimento proferido pelo Judiciário e que este será seguido pela Fazenda Estadual de São Paulo.

 

Além disso, o governo paulista prevê para o próximo dia 15 de julho a reabertura do Programa Especial de Parcelamento (PEP) do ICMS. De acordo com Périsson Andrade, caso a legislação tributária fosse seguida, o programa nem seria necessário. "Com o padrão Selic, o contribuinte pagaria menos juros do que a anistia que é prometida nesses programas de parcelamento", complementa ele.

 

No entanto, o especialista em Direito Tributário da Barbero Advogados, Marcelo Jacinto Andreo, pondera que as características desse novo PEP compensam por oferecer ao contribuinte juros de 0,64% ao mês para quem tem até 12 parcelas e 0,80% para o contribuinte que tiver de 13 a 31 parcelas, patamar muito abaixo da Selic, que é de aproximadamente 1% ao mês. O problema, na opinião dele, novamente é que isso funciona apenas para o futuro. "O contribuinte com histórico de dívida de ICMS desde 2013 vai ter essa incidência de juros justa só a partir da adesão ao parcelamento", conclui.

 

Ricardo Bomfim